sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

SÉRIE: CATEQUESE DO PAPA - Reflexão sobre o Credo - 30/01/2013


CATEQUESE - Sala Paulo VI – Vaticano - Quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Queridos irmãos e irmãs,

Na catequese de quarta-feira passada, nos concentramos sobre as palavras iniciais do Credo: “Eu creio em Deus”. Mas a profissão de fé especifica esta afirmação: Deus é Pai onipotente, Criador do céu e da terra. Gostaria então de refletir agora convosco sobre a primeira e fundamental definição de Deus que o Credo nos apresenta: Ele é Pai. 

Não é sempre fácil hoje falar de paternidade. Sobretudo no mundo ocidental, as famílias desagregadas, os compromissos de trabalho sempre mais exigentes, as preocupações e frequentemente a dificuldade de enquadrar as contas familiares, a invasão dos meios de comunicação de massa na vida cotidiana são alguns dos muitos fatores que podem impedir uma relação serena e construtiva entre pais e filhos. 

A comunicação muitas vezes é difícil, a confiança é menor e a relação com a figura paterna pode se tornar problemática; e problemático se torna também imaginar Deus como um pai, não tendo modelos adequados de referência. Para quem teve a experiência de um pai demasiado autoritário e inflexível, ou indiferente e pouco afetuoso, ou até mesmo ausente, não é fácil pensar com serenidade em Deus como Pai e abandonar-se a Ele com confiança.

Mas a revelação bíblica ajuda a superar estas dificuldades falando-nos de um Deus que nos mostra o que significa verdadeiramente ser “pai”; e é sobretudo o Evangelho que nos revela esta face de Deus como Pai que ama ao ponto de doar o próprio Filho para a salvação da humanidade. 


A referência à figura paterna ajuda também a compreender algo do amor de Deus que porém permanece infinitamente maior, mais fiel, mais total que aquele de qualquer homem. 

“Quem dentre vós, - diz Jesus para mostrar aos discípulos a face do Pai, - dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão? E se lhe pedir um peixe, dar-lhe-á uma serpente? Se vós, pois, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celeste dará coisas boas aos que lhe pedirem” (Mt 7,9-11; cfr Lc 11,11-13)

Deus nos é Pai porque nos abençoou e escolheu antes da criação do mundo  (cfr Ef 1,3-6), nos tornou realmente seus filhos em Jesus (cfr 1 Jo 3,1). 

E, como Pai, Deus acompanha com amor a nossa existência, doando-nos a sua Palavra, o seu ensinamento, a sua graça, o seu Espírito. 

Ele – como revela Jesus – é o Pai que alimenta as aves do céu sem que essas precisem plantar e colher, e reveste de cores maravilhosas as flores dos campos, com vestes mais belas eu aquelas do rei Salomão (cfr Mt 6,26-32; Lc 12,24-28); e nós – acrescenta Jesus – valemos bem mais que as flores e as aves do céu! 

E se Ele é tão bom a ponto de fazer “nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e ... chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5,45), poderemos sempre, sem medo e com total confiança, confiar-nos ao perdão do Pai quando erramos no caminho. 

Deus é um Pai bom que acolhe a abraça o filho perdido e arrependido (cfr Lc 15,11ss), doa gratuitamente àqueles que pedem (cfr Mt 18,19; Mc 11,24; Jo 16,23) e oferece o pão do céu e a água viva que faz viver na eternidade (cfr Jo 6,32.51.58).

Por isso o orador do Salmo 27, cercado por inimigos, assediado por maus e caluniadores, enquanto busca ajuda junto ao Senhor e O invoca, pode dar o seu testemunho pleno de fé afirmando: “Meu pai e minha mãe me abandonaram, mas o Senhor me acolheu” (v.10)

Deus é um Pai que não abandona nunca os seus filhos, um Pai amoroso que sustenta, ajuda, acolhe, perdoa, salva, com uma fidelidade que supera imensamente a dos homens, para abrir-se a uma dimensão da eternidade. “Porque o seu amor é para sempre”, como continua a repetir em ladainha, a cada verso, o Salmo 136 repercorrendo a história da salvação. 

O amor de Deus Pai não é menor, não se cansa de nós, é amor que doa até o extremo, até o sacrifício do Filho. A fé nos doa esta certeza, que se transforma uma rocha segura na construção da nossa vida: nós podemos enfrentar todos os momentos de dificuldade e de perigo, a experiência da escuridão da crise e do tempo de dor, suportados pela confiança de que Deus não nos deixa sós e sempre está próximo, para salvar-nos e levar-nos à vida eterna.

É no Senhor Jesus que se mostra em plenitude a face benevolente do Pai que está nos céus. É conhecendo-O que podemos conhecer também o Pai (cfr Jo 8,19; 14,7), é vendo-O que podemos ver o Pai, porque Ele está no Pai e no Pai está Nele (cfr Jo14,9.11).  


Ele é “imagem do Deus invisível” como o define o hino da Carta aos Colossenses, “primogênito de toda criação... primogênito de quem ressuscita dos mortos”, “por meio do qual temos a redenção, o perdão dos pecados” e a reconciliação de todas as coisas, “tendo pacificado com o sangue da sua cruz seja as coisas que estão na terra, seja aquelas que estão nos céus” (cfr Col 1,13-20). 

A fé em Deus requer crer no Filho, sob a ação do Espírito, reconhecendo na Cruz que salva a revelação definitiva do amor divino. 

Deus nos é Pai doando o seu Filho para nós; Deus nos é Pai perdoando o nosso pecado e levando-nos à alegria da vida ressuscitada; Deus nos é Pai doando-nos o Espírito que nos torna filhos e nos permite chamá-lo, em verdade, “Abbá, Pai” (cfr Rm 8,15). Por isso Jesus, ensinando-nos a rezar, nos convida a dizer “Pai nosso” (Mt 6,9-13; cfr Lc 11,2-4).

A paternidade de Deus, então, é amor infinito, ternura que se inclina sobre nós, filhos indefesos, necessitados de tudo. 

O Salmo 103, o grande canto da misericórdia divina, proclama: “Como é terno um pai para o filho, assim o Senhor é terno para aqueles que o temem, porque Ele sabe como somos formados, lembra que somos pó” (vv. 13-14)

É a nossa pequenez, a nossa indefesa natureza humana, a nossa fragilidade que se transforma apelo à misericórdia do Senhor para que manifeste a sua grandeza e ternura de Pai ajudando-nos, perdoando-nos e salvando-nos. 

E Deus responde ao nosso apelo, enviando o seu Filho, que morre e ressuscita para nós; entra na nossa fragilidade e faz aquilo que sozinho o homem não poderia nunca fazer: toma para Si o pecado do mundo, como cordeiro inocente, e nos reabre o caminho para a comunhão com Deus, nos torna verdadeiros filhos de Deus. 

É ali, no Mistério pascal, que se revela em toda a sua luminosidade a face definitiva do Pai. E é ali, na Cruz gloriosa, que acontece a manifestação plena da grandeza de Deus como “Pai onipotente”.

Mas poderíamos nos perguntar: como é possível pensar em um Deus onipotente olhando para a Cruz de Cristo? A este poder do mal que chega ao ponto de matar o Filho de Deus? Nós gostaríamos, certamente, de uma onipotência divina segundo a nossa mentalidade e os nossos desejos: um Deus “onipotente” que resolva os problemas, que intervenha para evitar a dificuldade, que vence o poder adversário, muda o curso dos acontecimentos e anula a dor. 


Assim, hoje, diversos teólogos dizem que Deus não pode ser onipotente, caso contrário, não existiria tanto sofrimento, tanto mal no mundo. 

Na realidade, diante do mal e do sofrimento, para muitos, para nós, torna-se problemático, difícil, crer em um Deus Pai e acreditar nele como onipotente; alguns procuram refúgio em ídolos, cedendo à tentação de encontrar resposta em uma suposta onipotência “mágica” e nas suas ilusórias promessas.

Mas a fé em Deus onipotente nos impele a percorrer caminhos bem diferentes: aprender a entender que o pensamento de Deus é diferente do nosso, que as vias de Deus são diferentes das nossas (cfr Is 55,8) e também a sua onipotência é diferente: não se exprime como força automática ou arbitrária, mas é marcada por uma liberdade amorosa e paterna. 

Na realidade, Deus criando criaturas livres, dando liberdade, renunciou a uma parte do seu poder deixando o poder da nossa liberdade. Assim Ele ama e respeita a livre resposta de amor ao seu chamado. Como Pai, Deus deseja que nós nos tornemos seus filhos e vivamos como tais no seu Filho, em comunhão, em plena familiaridade com Ele. 

A sua onipotência não se exprime na violência, não se exprime na destruição do poder adversário como nós gostaríamos, mas se exprime no amor, na misericórdia, no perdão, no aceitar a nossa liberdade e no incansável apelo à conversão do coração, em uma atitude só aparentemente indefesa - Deus parece indefeso, se pensamos em Jesus Cristo que reza, que é morto. 

Uma atitude aparentemente indefesa, feita de paciência, de mansidão e de amor, demonstra que este é o verdadeiro modo de ser poderoso! Este é o poder de Deus! E este poder vencerá! 

O sábio do Livro da Sabedoria assim se dirige a Deus: “Tendes compaixão de todos, porque vós podeis tudo; e para que se arrependam, fechais os olhos ao pecado dos homens, porque amais tudo o que existe ... poupais todos os seres, porque todos são vossos, Ó Senhor, que amais a vida” (11,23-24a.26).

Somente quem é verdadeiramente poderoso pode suportar o mal e mostrar compaixão; somente quem é verdadeiramente poderoso pode exercitar plenamente a força do amor. E Deus, a quem pertence todas as coisas porque tudo foi feito por Ele, revela a sua força amando tudo e todos, em uma paciente espera pela conversão de nós homens, que deseja ter como filhos. 

Deus espera a nossa conversão. O amor onipotente de Deus não conhece limites, tanto que “não poupou o próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8, 32). 

A onipotência do amor não é aquela do poder do mundo, mas é aquela da doação total, e Jesus, o Filho de Deus, revela ao mundo a verdadeira onipotência do Pai dando a vida por nós pecadores. Eis o verdadeiro, autêntico e perfeito poder divino: responder ao mal não com o mal, mas com o bem, aos insultos com o perdão, ao ódio com o amor que faz viver. 

Então o mal é verdadeiramente vencido, porque lavado pelo amor de Deus; então a morte é definitivamente derrotada porque transformada no dom da vida. Deus Pai ressuscita o Filho: a morte, a grande inimiga (cfr 1 Cor 15,26), é engolida e privada de seu veneno (cfr 1 Cor 15,54-55), e nós, livres do pecado, podemos ter acesso à nossa realidade como filhos de Deus.

Então, quando dizemos “Eu creio em Deus Pai onipotente”, nós expressamos a nossa fé no poder do amor de Deus que no seu Filho morto e ressuscitado derrota o ódio, o mal, o pecado e nos abre à vida eterna, aquela dos filhos que desejam estar para sempre na “Casa do Pai”. Dizer “Eu creio em Deus Pai onipotente”, no seu poder, no seu modo de ser Pai, é sempre um ato de fé, de conversão, de transformação do nosso pensamento, de todo o nosso afeto, de todo o nosso modo de viver.



Queridos irmãos e irmãs, peçamos ao Senhor para sustentar a nossa fé, para ajudar-nos a encontrar verdadeiramente a fé e para dar-nos a força de anunciar Cristo crucificado e ressuscitado e de testemunhá-Lo no amor a Deus e ao próximo. E Deus nos conceda acolher o dom da nossa filiação, para viver em plenitude a realidade do Credo, no abandono confiante ao amor do Pai e à sua misericordiosa onipotência que é a verdadeira onipotência e salvação. 

BENEDICTUS PP XVI

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