terça-feira, 6 de novembro de 2012

São Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável - 6 de Novembro


Dom Nuno Álvares – Santo, Guerreiro e Monge. Cavaleiro, Condestável do Reino, grande esmoler e religioso carmelita, Frei Nuno de Santa Maria, beatificado em janeiro de 1918, foi canonizado no dia 26 de abril de 2009 em Roma.

Dizer que foi uma figura-ápice da História de Portugal, pode parecer redundância. Afirmar que foi um herói, embora isso seja verdade, fica aquém daquilo que ele encarnou. Pela santidade da sua vida e fidelidade imaculada às leis da Igreja, Dom Nuno Álvares Pereira reuniu em si o conjunto de virtudes e predicados que fazem dele o arquétipo de qualquer cristão.

Para admirarmos Frei Nuno de Santa Maria — seu nome religioso — temos de analisar as diversas facetas do seu caráter em conjunto; não separadamente, esquecendo umas e enaltecendo outras. Ele é um personagem indivisível, e como tal deve ser visto. É o que se pretende esboçar neste breve artigo.

Sobre este homem pousou, desde cedo, a mão da Providência. A sua vida foi uma sucessão contínua de prodígios e de lutas; e as suas ações, quer como condestável dos exércitos, quer como grande esmoler, foram aureoladas pela glória e humildade.

Nobre Nascimento

Corria o ano de 1360. Na festa de São João Batista, a 24 de junho, nasceu ele em Cernache do Bonjardim (140 quilômetros a norte de Lisboa), recebendo no Batismo o nome de Nuno. 

Descendia por ambos os lados da mais alta nobreza de Portugal.

Com tenra idade, como era hábito naquele tempo, foi viver entre cavaleiros e escudeiros. Os grandes feitos da cavalaria medieval povoavam os horizontes dos jovens da época. A Crônica do Condestável está repleta desses relatos. 

Recebera em casa uma esmerada educação e sólida formação cristã. Ambas, aliadas à retidão de alma de Nuno, produziram efeitos duradouros que hoje nimbam a imagem do Condestável, cujo culto universal a Igreja Católica legitimará com a sua canonização.

Ainda adolescente, abraça a carreira das armas. Aos 13 anos acompanha o pai à Corte, que se achava em Santarém, uma vez que Henrique II de Castela invadira Portugal e marchava sobre Lisboa. 

Ele e o irmão Diogo recebem do Rei Dom Fernando de Portugal a ordem de colher informações sobre os invasores. Desincumbem-se da tarefa com brilho. Dom Fernando toma Diogo para seu serviço, e Nuno, a quem foram dispensadas as cerimônias de praxe, é logo ali armado cavaleiro. 

Começa então a sua carreira de armas, e talvez seja esta a faceta mais incompreendida do Condestável para o homem contemporâneo, intoxicado que está pelos miasmas do pacifismo.

Autêntico Cavaleiro

Antes de entrarmos nas batalhas de que o Condestável será protagonista, é importante procurar entender as causas das muitas guerras de então, sobretudo quando travadas entre cristãos. 

Os Sumos Pontífices exerceram sempre, do alto da autoridade moral que o mundo cristão lhes reconhecia, o magistério indispensável para tentar conter os atos de belicismo desnecessários. 

No entanto, quem conhece a natureza humana sabe que não bastam só as boas intenções.

Hoje confundem-se como causas das guerras certos aspectos materiais. 

Mas o Magistério da Igreja ensina que as causas são, antes de quaisquer outras, de ordem espiritual e moral. 

E a causa maior é o pecado, do qual nascem a injustiça e a iniquidade. E foi este princípio que norteou toda a ação do Condestável. 

Ele nunca se refugiou na máxima segundo a qual os fins justificam os meios. 

Nenhum mal, ainda que praticado com boa intenção, pode depois ser desculpado: “Como aqueles que dizem: façamos o mal para vir o bem. Desses, é justa a condenação” (Rom. 3, 8). “A paz será obra da justiça” (Is 32, 17).

Nuno Álvares seguiu estritamente os princípios da cavalaria medieval — defender a fé, servir o rei e a honra das mulheres, estender a mão aos oprimidos. Fez sempre uso ponderado das armas, e nisso residia a razão da sua força. A procura da justiça era, para o santo Condestável, o fim último.

Militar de moral inatacável

Como veremos, esses princípios serão postos à prova com os acontecimentos que se seguem. 

As escaramuças com Castela vão em aumento, e um ímpeto de legítima defesa atravessa todos os recantos do reino, arrebatando muitos fidalgos e todo o povo. 

A crise que desembocará na batalha de Aljubarrota, na qual o gênio militar de Nuno Álvares resplandece, começa a emergir. 

Em resumidas contas, a chamada crise de 1383-1385 pode ser vista assim: O Rei Dom Fernando morre em 1383; do seu casamento com Dona Leonor Teles nascera uma única filha, Dona Beatriz, que contrai matrimônio com o rei de Castela; este, pelo casamento, poderia tornar-se rei de Portugal. 

Entram em foco questões dinásticas delicadas, para além do fato de que, embora o Rei Dom Fernando tivesse obtido uma reconciliação de circunstância com o rei de Castela, contra quem guerreara, as desconfianças mútuas não se tinham dissipado e a situação ficara mal resolvida. 

Uma forte noção de identidade ia tomando conta de Portugal perante a ameaça castelhana, como se pode depreender dos escritos do cronista Fernão Lopes.

Paralelamente a esses acontecimentos emergira, em 1378, o tristemente célebre cisma do Ocidente. Em Portugal, o povo e o clero mantiveram-se fiéis ao Pontífice Romano, representante da legítima sucessão apostólica. 

Os castelhanos, no entanto, apoiaram o Papa de Avinhão, denominado “anti-papa”. Uma nova vertente, a religiosa, soma-se assim à crise. Na época, lutar contra os castelhanos torna-se a defesa do verdadeiro Papa contra os cismáticos.

Todos esses elementos ajudam a compor o panorama para o aparecimento providencial do Condestável, pois só um chefe militar de moral inatacável e reto de caráter conseguirá arrastar atrás de si uma nação inteira. Dom Nuno Álvares, pressentindo a ocupação próxima do trono de Portugal pelo rei de Castela, pôs-se a caminho de Lisboa acompanhado dos seus escudeiros. 

A morte em fins de 1383 do Conde Andeiro, amante de Dona Leonor Teles, precipita os acontecimentos. Assume então o Mestre de Aviz, Dom João, Regedor e Defensor do Reino. Ao formar o seu Conselho de Governo, chama Nuno Álvares a tomar parte. Nas províncias, a insurreição vai ganhando terreno. Lisboa é cercada pelo rei de Castela. A sublevação estende-se a todo o Reino.

A batalha de Aljubarrota

Dom João, Mestre de Aviz, envia o Condestável para defender as fronteiras no Alentejo. 

Com apenas 24 anos, derrota os invasores na batalha de Atoleiros, a 6 de abril de 1384. 

Ali agradece a Deus e à Santíssima Virgem por ajudarem no estabelecimento da justiça, “porque todo o vencimento é em Deus, e não nos homens” (Fernão Lopes,Crônica de D. João I, Livraria Civilização, Porto, parte I, cap. XCIII, p. 176).

Em setembro de 1384 é levantado o cerco de Lisboa. Em Coimbra, as Cortes reúnem-se em abril-maio de 1385 para pôr cobro à questão dinástica. Dom João I é aclamado rei por unanimidade. Nuno Álvares é nomeado Condestável, chefe supremo do exército português. Contudo, o mais difícil ainda não chegara. O exército castelhano, agora bem apetrechado de homens e armas, vem tomar desforra.

Era domingo, 13 de agosto de 1385. O Condestável faz o reconhecimento do terreno, perto de Aljubarrota (20 quilômetros a sul da cidade de Leiria), ouve missa e comunga, depois retira-se em oração. A batalha dá-se na véspera da festa da Assunção de Nossa Senhora, dia 14. 

Segundo os cronistas, do lado português estão, juntamente com os arqueiros ingleses, 7.700 homens; do lado castelhano são mais de 30.000. Ainda de acordo com os cronistas, mal despontara a aurora, iniciam-se os combates da batalha de Aljubarrota, que foi fulminante, tendo o exército castelhano deixado o solo juncado de mortos e feridos. 

O Condestável respeitou as regras da cavalaria e permaneceu três dias à espera do exército invasor. Decorreram 26 anos até a assinatura do tratado de paz, em 1411. Ainda no rescaldo de Aljubarrota, travou-se a batalha de Valverde, nas proximidades de Mérida, em outubro de 1385, onde os castelhanos sofreram nova derrota.

Como penhor de gratidão pela vitória em Aljubarrota, Dom João I e o Condestável mandam construir um mosteiro em honra de Santa Maria da Vitória, mais conhecido como Mosteiro da Batalha, preciosa jóia da arquitetura gótica flamejante e um dos mais belos complexos monacais da Europa. 

Está edificado nas proximidades do local onde se deu a batalha (cerca de 15 quilômetros da cidade de Leiria).

Fundação da Casa de Bragança

Tendo entrado cedo na carreira das armas, logo após, aos 16 anos, Nuno Álvares contrai núpcias com Dona Leonor Alvim. 

Desse casamento, interrompido prematuramente pela morte da mulher, nasceu Dona Beatriz, que se casou com o 1º Duque de Bragança, filho bastardo de Dom João I. 

Pelo grande dote que deu à filha para o enlace matrimonial, é considerado o fundador da Sereníssima Casa de Bragança, cujos reis reinaram em Portugal de 1640 a 1910; e no Brasil independente, de 1822 a 1889.

A faceta de chefe militar do Condestável vai chegar até África, onde desembarca com os exércitos do rei na decisiva tomada de Ceuta, em 1415.

Entre os períodos de paz que se seguiram, Nuno Álvares dedica-se à edificação e restauro de igrejas e capelas por todo o Reino. Fidalgo de muitos haveres, vai distribuindo pelos seus próximos e pelos pobres os bens que acumulara nesta Terra.

Na sua longa vida de soldado, jamais permitiu que os seus comandados ofendessem ou profanassem templos cristãos, ultrajassem os sacramentos ou pilhassem os bens da Igreja. A sua retidão, em matéria muito sensível, era tão direita quanto o fio duma espada.

No entanto, sobre esta alma de eleição parecia ecoar a voz do Salmista (60, 2-3): “Escutai, ó Deus, o meu clamor, atendei a minha oração. […] Dos confins da Terra grito por Vós, com o meu coração desfalecido”. Consciente de que esta vida não é senão uma preparação para a outra, que é a das bem-aventuranças eternas, Nuno Álvares vai recolher-se no convento do Carmo, em 1423. 

A procura da transcendência e do Absoluto, que é o nosso Deus Uno e Trino, encherá a sua alma sedenta até o último suspiro. Aqui já não importam os títulos, mas a atitude. 

Professará como irmão carmelita e se tornará o paladino da autêntica caridade cristã, distribuindo esmolas e ajudando os mais necessitados. 

Sim, para ele, servir a Cristo era auxiliar os mais pobres: Servir-vos, Senhor, é reinar, diz a Escritura. 

Certamente, com o seu exemplo, fez mais pelos pobres que os “profetas” da Teologia da Libertação.

Certa corrente historiográfica, de matriz racionalista e agnóstica, tem tentado descontextualizar a época e a vida do Condestável. 

Embora a cavalaria possa ter tido um começo pouco claro, a luz que ela irradiou superou qualquer paradigma anterior. Coragem, generosidade, lealdade, fidelidade à Igreja, obediência, castidade, cortesia, humildade e beneficência resumiam numa admirável síntese o espírito da cavalaria. Longe vão os tempos em que estas virtudes eram respeitadas. Se olharmos à nossa volta, se espreitamos as páginas de uma revista ou jornal, aqueles princípios parecem hoje espécies em vias de extinção…

A honra dos altares

Em 1431, com 71 anos incompletos, entrega a sua alma ao Redentor. Na igreja do Carmo, sobre a campa rasa, lia-se em latim: “Aqui repousa aquele Nuno, Condestável, fundador da Casa de Bragança, chefe militar exímio, depois monge bem-aventurado, o qual, sendo vivo, desejou tanto o Reino do Céu que mereceu, depois da morte, viver eternamente na companhia dos santos; pois, de seguida a numerosas recompensas, desprezou as pompas e, fazendo-se humilde, de príncipe que era, fundou, ornou e dotou este templo”.

Depois de muitos percalços históricos, sobretudo devido ao terremoto de 1755, que devastou Lisboa e a Igreja do Carmo, os seus restos mortais repousam, desde 1951, na igreja do Santo Condestável na capital portuguesa.

Nuno Álvares Pereira, santo Condestável, Frei Nuno de Santa Maria –– três nomes, três facetas de um só homem.


Beatificado por Bento XV em janeiro de 1918, e canonizado por Bento XVI em 26 de abril de 2009. Para a Ordem Carmelita, é mais uma estrela que brilhará na constelação dos santos que honram os seus altares.


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